“Se eu morresse, a empresa morria comigo”: as decisões mais difíceis do fundador da DryWash

Todos os dias, o jovem Lito Rodriguez olhava para o relógio por volta das 15h. Ainda faltavam duas horas e meia até dar o horário de ir para a faculdade, mas ele já não aguentava mais ficar no escritório. Só não se demitia porque não queria deixar seu pai na mão, por mais que detestasse trabalhar na área financeira da empresa da família. Até que ela passou por uma profissionalização e, nesse processo, Lito foi mandado embora.

PODERIA TER SIDO UM EVENTO TRAUMÁTICO NA VIDA DO GAROTO, MAS ELE SAIU DALI COM UMA ÚNICA CONVICÇÃO: A DE QUE ELE NASCEU PARA EMPREENDER.

Até ali, a experiência de Lito havia sido bastante rica, mas aos poucos foi se tornando um cara triste. Via-se obrigado a passar dias inteiros lidando com a pressão dos bancos, buscando dinheiro e realizando transações. A demissão foi o primeiro tombo significativo da carreira dele, um tanto agravado pelo fato de que seu casamento seria dali a dois meses. Mas não passou por sua cabeça procurar outro emprego.

Seu pai, que não havia tido muita instrução formal, sempre sonhou que o filho se dedicasse aos estudos. “Mas era o sonho dele, não meu”, conta Lito. A influência paterna acabou vindo bem mais do exemplo, já que desde pequeno ele acompanhou as aventuras na criação e na condução da fábrica de móveis. Também nunca considerou trabalhar no mercado financeiro ou no funcionalismo público, como era comum entre seus amigos. Abriu o primeiro negócio próprio bem cedo, quando mal tinha completado 20 anos.

Naquele momento, Lito não premeditou ou refletiu sobre os riscos envolvidos. Foi um movimento inato, tão natural quanto se alimentar ou fazer aniversário. Afinal, estamos falando de alguém para quem “empreender sempre foi a única opção”.

“Como o ar que eu respiro”

Sempre que procura racionalizar esta vocação, ele acaba desistindo. Conclui que está mais para um instinto. “Não cheguei aqui porque preciso empreender por motivos A, B ou C. Empreendo porque é natural, porque faz parte”.

A fábrica do pai tinha crescido um bocado – se tornou a maior da América Latina. Trabalhar lá foi uma experiência transformadora para Lito, em especial por conta de uma grande lição: a de não postergar algo que não seja bom.

“Foi a minha primeira grande lição: sair o mais rápido possível. Se você perceber que não está legal, saia. Se uma relação não está boa, saia. Realize o prejuízo que tiver que realizar e pule fora”.

O fato é que, mesmo enquanto trabalhava na empresa do pai, já estava empreendendo. Alguns anos antes, Lito se tornara sócio de uma loja de móveis. Tinha mais dois amigos na sociedade, que entraram como investidores – um deles também era o operador.

Mas os compromissos com o emprego e os estudos o impediram de se dedicar ao empreendimento. Então, dois anos depois, acabou vendendo sua parte para os sócios. Uma quantia pequena, na época, mas simbolicamente significativa. “Era um dinheiro muito importante pra mim. Eu não tinha nada, então era uma fortuna”.

Com o montante – e com o que recebeu pela rescisão com a empresa do pai –, deu o segundo passo na trajetória empreendedora. Em direção a um ramo bem diferente. 

Um negócio literalmente heavy metal

Na época, um conhecido de Lito tinha uma fábrica que produzia soldas de estanho para terminais elétricos, calhas de telhado etc. Mas ele queria começar a fundir o metal. Tinha a ideia de transformá-lo diretamente a partir da cassiterita. E para isso precisava de um investidor.

Lito topou embarcar no empreendimento. No entanto, após menos de um ano na operação, percebeu que aquela não era muito a dele. Havia desavenças em relação ao modelo de gestão do sócio, e a desconexão com a atividade era evidente. Lito simplesmente não se adaptou. Mas não demorou a agir. A lição anterior fora bem aprendida:

“EU SAÍ. COM UMA MÃO NA FRENTE E OUTRA ATRÁS, MAS SAÍ. E RÁPIDO. NÃO FIQUEI ENROLANDO”.

Tinha, então, por volta de 25 anos, uma esposa e nenhum capital. O dinheiro levantado com a venda da loja de móveis e o FGTS ficaram no último empreendimento.

Entre lavar carros e consertar eletrodomésticos

Até então, Lito sabia muito bem onde não queria estar; mas não sabia exatamente para onde ir. Percebeu que só descobriria se parasse, analisasse as possibilidades e planejasse os próximos passos.

Foi o que fez. Passou cerca de três meses observando o mercado e refletindo sobre as próprias motivações. E, partindo das experiências anteriores, chegou àquela que considera uma das mais importantes conclusões de sua trajetória: perpetuidade acima de tudo.

“Entendi que não queria montar uma empresa para deixar pros filhos, pra eles herdarem, nada disso. Eu queria criar uma empresa que de fato tivesse valores que se perpetuassem”.

Lito concluiu também que atuaria em um setor em que pudesse fazer a diferença. Mas, sem dinheiro nem experiência significativa, teve que quebrar e requebrar a cabeça para encontrar a oportunidade adequada.

No final, sobraram duas possibilidades: abrir um lava-rápido ou uma assistência técnica para eletrodomésticos. Eram segmentos pulverizados e pouco profissionais, que careciam de marcas de referência, confiáveis. E após constatar que a carência era mais aguda no mercado de lavagem automotiva, acabou optando por ele.

“Eu não tinha dinheiro, não tinha qualificação, mas queria criar uma marca que fosse referência. Era mesmo um sonho grande”.

Hoje, Lito percebe que também iniciava uma busca por um oceano azul. Sobretudo em termos de oportunidade de marca e de branding.

Se Maomé não vai à montanha…

O ano era 1994. Na época, o segmento de lava-rápidos era mesmo caótico, quase marginal. Não havia compromisso algum, por parte dos empresários, de melhorar as práticas. “As pessoas montavam lava-rápidos para ganhar dinheiro por um período curto, e depois mudavam de ramo”. Era precisamente nesse campo de abandono que Lito queria atuar, criando uma marca que mudasse essa percepção.

Algumas decisões tomadas naquele começo ajudam a entender o sucesso. Lito logo percebeu que ficar no balcão esperando pelos clientes não era uma boa estratégia. Então, decidiu ir aonde os veículos estavam: garagens de condomínios residenciais e comerciais. Priorizaria a conveniência.

Mas havia um – ou melhor, dois poréns: a água e o esgoto. Lito atuaria em locais onde não havia a possibilidade de esgotamento, e teria que utilizar um bem comum dos condomínios. Por exemplo: se lavasse o carro do Seu Tavares, do primeiro andar, a Dona Dirce, do quinto, podia reclamar do uso da água pela qual também pagava.

Ele passou, então, a buscar uma solução. E chegou à formula da Lavagem a Seco DryWash, sem utilizar uma gotinha de água sequer. Mal sabia que ficava mais próximo daquele objetivo de perpetuar uma ideia.

Sorte também vale

Quando a onda do empreendedorismo começou a ganhar força no Brasil, em 1998, a DryWash já estava consolidada. A mídia passou a dar mais espaço às histórias de micro e pequenos empreendedores. E a questão do uso consciente da água também começava a chamar a atenção dos grandes veículos. Lito, claro, acabou se beneficiando dessa tendência.

“Demos uma sorte tremenda. Era todo um contexto muito favorável. Então, de 98 a 2000, 2001, nós crescemos muito, e muito rápido”.

Melhor cenário possível, não? Nem tanto, na verdade. A DryWash só fazia muito dinheiro naquela época porque os investimentos em processos, em tecnologia e em gente eram baixos. O capital que entrava era quase que totalmente usado para financiar crescimento. “Só olhávamos o curtíssimo prazo. Não pensávamos no médio e no longo”.

Dando um passo pra trás

Na época, Lito vivia uma baita contradição. Porque, se como pessoa física a vida havia melhorado — podia comprar carro, apartamento etc –, ele tinha a impressão de que aquele modelo da DryWash não duraria muito. De que não se perpetuaria.

O modus operandi de então ia contra a motivação original do empreendedor. Não havia práticas de governança, de atração e retenção de talentos, de pesquisas de desenvolvimento, nada. Estava claro que Lito se afastava daquele caminho original de criar algo que se tornasse referência e que permanecesse.

“EU DESCOBRI QUE ESTAVA PROIBIDO DE MORRER. A COMPANHIA DEPENDIA MUITO DE MIM. E SE EU MORRESSE, ELA ACABAVA”.

Ele sentiu, então, necessidade de dar autonomia à própria empresa. De trazer pessoas melhores do que ele próprio para a gestão. O foco se deslocou do crescimento a qualquer custo para o crescimento estruturado, planejado.

Lito conseguiu fazer com que a empresa fosse menos dependente dele. Mas não significa que ele se doasse menos. Passou sete, oito anos trabalhando por cerca de 18 horas diárias, sem férias. E a conta chegou. Após sofrer um grave evento de stress, foi fazer terapia holística, o que o ajudou muito.

O evento também mostrou como as férias devem ser aproveitadas. Todos os anos. E não de forma “picada”, só uma semana e depois de volta ao batente: os 21 dias corridos. “Quando eu passei a sair por 21 dias, era sempre assim: na primeira semana eu tava ligado, na segunda eu começava a desligar, e na terceira sentia uma saudade louca de voltar a trabalhar. Você limpa, você reseta e foca naquilo que é mais importante”.

Sempre que voltava, Lito conseguia achar soluções de maneira mais simples. Chegava com novas visões, e isso passou a ser extremamente benéfico para a gestão.

Regando a grama do Ibirapuera com lágrimas

Mas o assunto “afastamento” traz lembranças doloridas a Lito. Referem-se aos idos de 2005 e 2006: na época, a DryWash tinha “muitas frentes abertas”, mas pouco ou nenhum dinheiro para levá-las adiante. Era uma situação perigosa, e ele teve que contratar uma pessoa para ajudar a repensar a gestão. Um profissional altamente qualificado, e cuja retenção exigiu esforços consideráveis.

O maior destes esforços, sem dúvida, coube ao próprio criador da DryWash.

“TIVE TINHA QUE DAR TOTAL AUTONOMIA PRA ELE, E ME AFASTEI DO NEGÓCIO. EU PRATICAMENTE NÃO TRABALHAVA, NÃO PODIA INVENTAR NADA. TIVE QUE FICAR MUITO QUIETO. E FOI TRISTE, MUITO TRISTE. EU IA CAMINHAR NO IBIRAPUERA ÀS 10:30 DA MANHÃ E, DO NADA, EU CHORAVA”.

Foram praticamente dois anos de suplício, mas que deram grandes resultados. Quando reassumiu o comando, Lito encontrou uma estrutura muito mais enxuta. E naquele momento, foram plantadas várias sementes que hoje já estão dando bons frutos.

“Deixar gente rica é a minha cachaça”

Uma dessas sementes é a Via Indicadores, spin-off de um Centro de Serviço Compartilhado da DryWash. É outra das “invenções” de Lito e que até agora vai muito bem, obrigado(a) – assim como a DryWash, que tem mantido o crescimento, mesmo durante a crise.

Com relação a Lito, nenhuma outra pergunta foi tão fácil de responder quanto “e o futuro?”: “Empreender, é claro. Quero ser um empreendedor serial, continuar inventando coisas. O sonho grande está sempre relacionado a poder continuar empreendendo”.

Hoje ele também sabe que tem muito a ver com o impacto social causado pelo empreendedorismo. Ele se encanta quando percebe que funcionários ou franqueados estão progredindo, aumentando as rendas de suas famílias. E vibra ao constatar que a marca que criou de fato se tornou referência em qualidade, em inovação e em consciência ambiental.

É. Pensando bem, é mesmo um legado que vale a pena se perpetuar.
Publicado originalmente por:

Endeavor @ https://endeavor.org.br/historia-lito-rodriguez-drywash/