Pesquisa sobre franqueadores revela resultado alarmante

Com mais de 100 anos, o sistema de franchising está sempre em evolução e aprimoramento. Hoje, já disseminado em todo o mundo, esse modelo sempre figura como um dos mais seguros para investimento. De fato, números indicam que se trata de uma opção com menor risco para novos empreendedores, ou os franqueados. Entretanto, como é a vida das empresas franqueadoras?

No Brasil, embora tenha recebido modelos de franquias em décadas anteriores, o franchising se tornou realmente reconhecido ao final da década de 80, se profissionalizando rapidamente na década de 90 e no início deste século. Foi crucial para o desenvolvimento do franchising a chegada de grandes redes internacionais de alimentação e de hotéis, principalmente. Até a década de 90, porém, existiam poucas empresas franqueadoras no mercado – cerca de 150.

Com o aumento expressivo do número de franqueadores, chegando a 724 em 1995, 904 em 2000, 1.013 em 2005, 2.031 em 2011, e 3.073 em 2015 (dados divulgados oficialmente pela Associação Brasileira de Franchising, a ABF), o mercado foi se tornando cada vez mais competitivo. Necessário lembrar que esse movimento acompanhou a evolução econômica do país em geral desde o final do período militar.

Para entender melhor a evolução e traçar um panorama mais fiel ao cenário, ao final de 2016 a Global Franchise, uma das principais consultorias do mercado, completando 30 anos de atuação em 2017, finalizou um levantamento em que analisou os motivos de muitos franqueadores entrarem e saírem do mercado, ou ficarem estagnados, sem conseguirem expandir o número de operações.

Com base nas edições dos últimos 12 anos (2005 a 2016), referentes aos exercícios de 2004 a 2015, do Guia Oficial de Franquias da ABF, publicado anualmente pela Editora LAMONICA, uma equipe da Global Franchise apurou o número de franqueadores que: i) deixaram de aparecer na publicação; ii) pararam de franquear; iii) franquias que continuam no mercado, mas que estacionaram num patamar inferior a dez unidades, e que, para os especialistas, não terão mais forças para crescer no mercado.

Segundo Paulo Cesar Mauro, diretor-fundador da consultoria, a intenção do estudo é mostrar o quão difícil é ser um franqueador de sucesso. “Apenas uma minoria chega lá. Nesta pesquisa pudemos verificar a quantidade de marcas que saem do Guia ano após ano e quantas das que lá figuram conseguem realmente crescer. Existem três motivos para uma marca sair do Guia Oficial de Franquias da ABF: ou ela apenas se desassociou da entidade, ou ela deixou de trabalhar com franquias, ou ela saiu do mercado, encerrando suas atividades. Em nossa análise, constatamos que 75% das marcas que saíram do Guia também saíram do mercado, ou deixaram de trabalhar com franquias”, revela o especialista.

Abaixo, a consultoria apresenta uma tabela (1) com o índice de nascimento (franquias novas que apareceram no Guia) e de mortalidade (franquias que saíram do Guia) ano a ano. Em seguida, outra tabela (2), que mostra a progressão de quantidade de marcas presentes em cada um desses guias anuais.

(01)

(02)

 

Das 992 franquias presentes atualmente no Guia Oficial de Franquias da ABF, 279 não abriram mais de 20 unidades nos últimos 5 anos (2011 a 2015). São franquias que podem ser consideradas estagnadas, que não conseguem crescer. Para Paulo Cesar Mauro, este é o primeiro grande obstáculo que as redes precisam ultrapassar para poderem ter uma perspectiva de crescimento futuro.

“Se formos considerar todas as 2.070 marcas que já passaram pelo Guia Oficial de Franquias da ABF no período estudado, um total de 1.174 marcas já saíram da publicação. Além disso, 75% das que saíram deixaram de franquear ou fecharam, ou seja, cerca de 880 marcas. Se somarmos a estas marcas as que não têm conseguido crescer acima de 20 unidades – mais 279 marcas –, teremos 1.159 franqueadoras  que fracassaram. Esta é uma questão ainda apenas de sobrevivência, não significa sucesso absoluto”, finaliza.

Para uma marca se tornar sustentável como franqueadora, o consultor avalia ser necessário ultrapassar uma outra barreira, variável, dependendo de cada empresa: estar acima de 60 unidades. Neste caso, das 2.070 marcas mencionadas pelo Guia no período, apenas 214 passaram este patamar, isto é 10% do total de empresas que tentaram se aventurar pelo mundo do franchising (em números oficiais).

Existiam no mercado, em 2004, no levantamento do Guia Oficial de Franquias da ABF de 2005, 369 marcas. Entraram, até 2015, um total de 1.797 novas marcas, enquanto que, no mesmo período, deixaram de aparecer outras 1.174 marcas, um saldo de 992 franqueadoras.

É preciso, ainda, levar em consideração que muitas marcas franqueadoras não são associadas à ABF e, portanto, nunca entraram na publicação mencionada. Estima-se, atualmente, um total de 3.073 marcas no mercado, de acordo com entidade. “Dentre esse montante, a realidade pode ser ainda mais difícil, pois muitas não contam com suporte, cursos, feiras, palestras e outros benefícios proporcionados pela ABF, nem com o networking e benchmarking que a mesma promove entre seus membros”, alerta Mauro.

Entendendo um pouco mais sobre as grandes barreiras de crescimento das franquias no mercado:

Barreira 1: 20 franquias

Ultrapassar a marca de 20 franquias é uma tarefa muito difícil num mercado competitivo como o atual, especialmente com a maioria dos franqueadores descapitalizados ou mal estruturados para crescer. No levantamento que analisou os franqueadores que deixaram de ser mencionados pelo Guia Oficial de Franquias da ABF ou que não conseguiram ultrapassar a Barreira 1, apenas 499 franqueadores, ou seja, 24% do total, extrapolaram esta marca. Isto significa que 76% dos franqueadores que entram no mercado: i) desistem de franquear, ii) fecham seus negócios, iii) sobrevivem de forma inadequada, até que a rede vai perdendo aos poucos seus franqueados. “Este, para nós, é um índice de mortalidade de franqueadores do mercado”, diz.

Embora o índice seja alto, o consultor Felipe Di Mauro, da Global Franchise, acredita ser perfeitamente compreensível. “Muitos franqueadores acreditam na possibilidade de crescerem facilmente, bastando ter um negócio de sucesso. Ledo engano. Sem fazer uma avaliação profunda do potencial de franqueabilidade da empresa, sem um negócio com bom potencial de rentabilidade para o franqueado, sem uma formatação da franquia feita com seriedade e competência, sem investir no seu conceito e na sua estrutura, sem um forte investimento na captação de franqueados, sem um suporte de qualidade aos franqueados, sem forte investimento em comunicação, é praticamente certo que o franqueador não sairá do lugar, ou então fará o que chamamos de ‘vôo de galinha’. Vende algumas franquias e logo para”, explica.

A tarefa é ainda mais árdua para os novos franqueadores, visto que investidores preferem aplicar em marcas consolidadas, com resultados comprovados para os franqueados, com boa estrutura de suporte, a se aventurar com os novos franqueadores, a não ser que entendam ser uma ótima oportunidade e que o franqueador está bem estruturado.

Um novo franqueador, além de ter um bom negócio e estar preparado para crescer, mesmo estando capitalizado, tem de saber crescer inicialmente no mercado, nesta fase mais difícil. Deve adotar estratégias agressivas e criativas para romper a Barreira 1 e começar a mostrar ao mercado que é uma nova oportunidade e começar a ser desejado pelos investidores. Os que não conseguem ultrapassar a Barreira 1, normalmente, mostram dificuldade de resultados com as unidades atuais.

“É melhor o potencial franqueador avaliar com mais critério seu negócio e concluir que não tem condições de crescer como está hoje, e tentar melhorar, buscando capital e preparando-se para ser um futuro franqueador de sucesso. Muitos se precipitam e lançam franquias sem nem mesmo terem experiência com unidades próprias”, lembra Mauro.

Barreira 2: 60 franquias

Historicamente, baseando-se em cases diversos, é possível afirmar que o franqueador não consegue bancar financeiramente seu negócio apenas com as Taxas Iniciais de Franquia – geralmente, no início são menores –, e os royalties dos primeiros franqueados. É preciso um capital inicial mais robusto, que pode ou não ser oriundo de suas unidades próprias, ou proveniente da capitalização da empresa por meio de sócios ou de empréstimos bancários, que são mais arriscados, para manter a rede saudável, até atingir o ponto de equilíbrio, que consiste em arcar com as suas despesas apenas com a remuneração advinda dos royalties, tendo a receita de venda de franquias como uma receita extra para investir na empresa.

Este ponto de equilíbrio varia em função das despesas do franqueador e dos royalties recebidos dos franqueados, mas, em média, está no faturamento gerado por uma rede entre 20 e 60 unidades franqueadas, sem considerar as unidades próprias, que pode antecipá-lo e ajudar nesta fase.

Segundo a análise feita pela Global Franchise, apenas 10% dos franqueadores que tiveram suas marcas mencionadas pelo Guia ultrapassaram a Barreira 2. É claro que os que ultrapassaram as 20 unidades ainda têm chance de chegar além desse ponto, mas muitos podem se perpetuar nesta faixa, perdendo força e valor ao longo dos anos, diz Paulo Cesar Mauro.

Em suma, por que isto tudo acontece?

O franchising, em seu início, vendia a ideia de que os franqueadores podiam crescer com o dinheiro dos franqueados – os norte-americanos usam o termo other people money -. Isto significava que, à medida em que um franqueador novo vendia franquias, ele se capitalizava e se estruturava para dar suporte aos seus franqueados e, assim, manter a rede saudável, podendo vender novas franquias e criando um ciclo positivo. Isto, para o diretor da Global Franchise, Paulo Cesar Mauro, foi verdade no início da implantação do sistema nos Estados Unidos e também no Brasil até o final do século passado.

“Com o crescimento e amadurecimento das redes mais antigas, e a crescente entrada de novos concorrentes, o mercado tornou-se altamente competitivo na oferta de oportunidades para investidores, o que torna praticamente impossível um franqueador novo crescer apenas com os recursos da venda de franquias. A exceção disso, quando um franqueador tenha um negócio inédito e que crie um desejo incontrolável de compra da franquia por parte dos investidores, o que, convenhamos, é muito raro”, exemplifica.

Via de regra é a entrada no mercado de negócios similares ao que já existe, com alguma inovação ou diferencial. E, para vencerem as barreiras iniciais de crescimento, que são muito grandes, o franqueador necessita de capital para desenvolver um bom projeto de franquia, para estruturar sua empresa para o crescimento, para dar treinamento e suporte aos novos franqueados, para divulgar sua marca no mercado e para captar bons franqueados.